1. Francisco Louçã, no fundo, não passa de um pequeno burguês. Há duas semanas, respondeu a daqueles inquéritos de "culto" da Revista Única do Expresso, onde mostra a sua natureza burguesa.
Vejam a primeira resposta (à pergunta, "A melhor paisagem que viu na sua vida"), "o pôr do sol em Zanzibar. As ilhas gregas deitadas no mar". Parece uma resposta que encontramos em revistas como a "Caras". Diz ainda, numa outra tirada "tipo Caras", que nas férias dispensa o "telefone, a televisão e a Internet".
Alguém acredita que um político profissional como Louçã não fala ao telefone ou não vê televisão durante as férias? Depois escolhe, entre os seus favoritos, um autor contemporâneo muito popular entre os intelectuais, como Roberto Bolano. Para terminar a lista de lugares comuns, compara "As Benevolentes" de Jonathan Littell à "Guerra e Paz", como já fizeram para aí umas cem pessoas antes dele.
Num outro inquérito de férias (já não me recordo onde), Louçã conta que vai passar férias a Chicago e que gostaria de atravessar os Estados Unidos de carro. O antigo radical trotskista converteu-se aos fascínios do "Império capitalista". Aproveita ainda para cavalgar a onda de Obama. Entra tantas cidades, tinha que ser Chicago, a cidade de Obama, a fasciná-lo. Louçã é um político que usa o "marketing" como poucos, criando uma imagem entre o "radical moralista", sempre à procura dos pecados alheios, e o "tolerante moderno", em busca dos votos mais jovens. Por trás desta imagem, está um político frio e implacável que manipula, de um modo demagógico e populista, a pobreza e a desgraça dos outros para conquistar poder. Ao pé deste oportunismo sem escrúpulos, os "bónus dos gestores" são uma brincadeira de criança.
2. Há uma contradição interessante na vida pública portuguesa. Ao mesmo tempo que regressam os ataques do costume ao liberalismo e especialmente à sua versão "neo", nunca a imprensa teve tantas vozes liberais. Há um conjunto de cronistas que de um modo genérico se identificam com os valores liberais. Sem querer esquecer algum nome, estou a pensar em Rui Ramos, Luciano Amaral, João Pereira Coutinho, Pedro Mexia, Miguel Monjardino, Alberto Gonçalves, Pedro Marques Lopes, Paulo Mascarenhas, Pedro Lomba, Paulo Tunhas, Miguel Morgado, Henrique Raposo e Bernardo Pires de Lima, entre outros. Valorizam a liberdade, pensam pela sua cabeça, e defendem uma sociedade que dê oportunidades e não viva de hierarquias autoritárias. Têm ainda outra coisa em comum. São relativamente novos e fazem parte de gerações que lutam contra o ‘status quo' cultural e político. Em Portugal, com em muitos outros países, os "liberais" são os que querem criar e aproveitar oportunidades. Os "anti-liberais" são os instalados, que nada querem mudar e desejam preservar os seus privilégios.
In Diário Económico – 23/08/2010 João Marques de Almeida